É
comum afirmar-se que, nas democracias ocidentais, é através do voto livremente
expresso que se manifesta a vontade popular. No caso das eleições autárquicas
ocorridas em Portugal a 16 de Dezembro último, duas conclusões se impõem,
desde logo, perante os resultados eleitorais:
1º
A forte abstenção – que se situou em média pelos 50% – demonstra que
metade da população portuguesa está desmotivada perante a política,
inclusive por aquela política que se prende com as suas necessidades
quotidianas, pois o que estava em causa era precisamente a eleição para as câmaras
municipais e para as juntas de freguesia, órgãos de poder, de que depende, em
primeira instância, o bem-estar quotidiano das gentes.
2º
Os que acorreram às urnas votaram em consciência, poucos foram os votos nulos
ou brancos, e com a vontade nítida de apresentar ao Governo o que, em gíria
futebolística, se designa por «cartão vermelho». Por isso, os votantes de
tendência mais moderada optaram pelo PSD (Partido Social Democrata), localizável
num “centro esquerda” do figurino político habitual; a “esquerda” votou
claramente no PS (Partido Socialista), numa tentativa de evitar a “direita”.
Daí que a CDU (coligação liderada pelo Partido Comunista) tenha baixado
substancialmente e que o CDS/PP (Partido do Centro Democrático Social / Partido
Popular) não tenha logrado uma significativa adesão, a não ser nos locais
onde se apresentou em coligação com o PSD.
Não
era de esperar um resultado tão significativo a favor do PSD e também não era
desejado que, devido a isso, o Primeiro Ministro apresentasse pedido de demissão
ao Presidente da República, a quem, na circunstância, nenhuma outra
alternativa se punha a não ser a da aceitação. Apontara-se o “cartão
vermelho”; mas a ideia é que o PS não continuasse a actuar neste
jogo autárquico; nada mais. Para o PSD, a ocasião ainda não era
suficientemente favorável para se apresentar a eleições legislativas; a
população ainda não estava suficientemente convencida do interesse em mudar,
designadamente porque o actual ‘leader’ do PSD, Durão Barroso, ainda não
teve tempo para se apresentar com o carisma de que as funções de Chefe de
Governo, queiramos ou não, sempre carecem.
O
certo é que se registou uma verdadeiro “terramoto” político, como se
chamou, tão inesperadas foram vitórias como as que se registaram:
– em Lisboa,
que fora muito disputada e na qual o PS apostara fortemente, fazendo inclusive
levantar o ‘fantasma da direita’ caso Santana Lopes, o candidato do PSD,
viesse a ganhar; um resultado, aliás, que só noite avançada se concretizou,
mantendo todo o País em grande expectativa;
– no Porto,
em que a manutenção do PS se dava como certa;
– em Sintra,
onde Edite Estrela, uma figura muito ligada aos meios televisivos, nos
manifestara que só tinha medo era da abstenção – e esta, de facto, jogou
contra ela;
– em Coimbra, a cidade
universitária por excelência, onde, apesar de tudo, as hesitações de última
hora poderiam pender para a esquerda;
– em Setúbal,
uma cidade portuária, a terceira do país, de grande tradição de luta do
operariado, onde a CDU recuperou uma Câmara socialista;
– em Faro,
a cidade capital do Algarve, onde a alternativa PSD não se apresentava como
particularmente credível…
O
caso de Cascais, vila bem cosmopolita
dos arredores de Lisboa, pode ser, neste aspecto, sintomático. O anterior
presidente, mal rodeado de conselheiros, deixara o território cair num caos,
quanto a acessibilidades, quanto a excesso de construção, numa clara defesa
dos interesses dos grandes empreendedores urbanísticos. E isolara-se quer da
população quer das próprias estruturas do partido que o haviam escolhido. Não
se recandidatou e o cabeça-de-lista proposto pelas estruturas partidárias da
capital não logrou concitar o entusiasmo dos votantes, porque, apesar das suas
ligações estreitas como Governo, não tinha quaisquer “raízes” em Cascais,
que, de resto, só então aprendeu a conhecer. Era, pois, normal que o candidato
da coligação de direita, António Capucho, ‘filho da terra’, viesse a
ganhar. Contudo, nunca se supôs que viesse a ganhar com tão larga vantagem
(dos 11 lugares no Executivo camarário, ficou com 7, o PS com apenas 3 e a CDU
1), nomeadamente quando se pensa que tanto o candidato da CDU, Dinis de Almeida,
um “capitão de Abril”, como o candidato do Bloco de Esquerda detinham
fortes simpatias. Desempenhou, aqui, um papel importante a questão do “voto
útil”.
O
acto eleitoral para a Assembleia da República está marcado para Março. Até lá,
o país detém um governo “de gestão” e o que todos esperam é que imperem
o bom senso e um certo patriotismo (independentemente da conotação pejorativa
que a esta palavra sói atribuir-se) para que ao novo Governo se não depare –
como em muitos concelhos ora aconteceu – com o espectáculo de que se
praticara intensamente uma… “política de terra queimada”.