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Fomos os primeiros!

Por Josef Torres *

Ao ver o programa do Arraial Português ou seja o 7º Festival da Cultura Portuguesa, li o seguinte: «35 anos de emigração portuguesa na Alemanha». Fiquei indignado ao ler uma coisa que não corresponde à verdade!!! Será erro de tipografia ou as entidades oficiais já se esqueceram do ano 1962?

No dia 25 de Agosto de 1962, chegaram à estação central de Hamburgo 9 portugueses emigrantes dos quais eu faço parte, e em Dezembro do mesmo ano mais 111, na totalidade 120. Este número e ano fazem parte da história da emigração portuguesa e não devem ser riscados. Estes foram os primeiros emigrantes portu-gueses contratados pela firma Howaldtswerft Hamburg AG, mais tarde conhecida por HDW.

Os colegas emigrantes que vieram comigo eram: Armando, Beata, Castro, Fernando, José Broa, Germano da Conceição. Ainda faltam dois cujos nomes já não sei. Três ainda vivem em Hamburgo: Germano da Conceição, António Beata e Josef Torres. Foram estes emigrantes portugueses contratados para a República Federal da Alemanha que abriram o caminho para a emigração moderna. Havia nada, só havia trabalho, não havia tempo para nada, era só trabalho. Quando chegámos, fomos viver para uma casa dentro do estaleiro (Haus 91). Mais tarde mandaram-nos para Am Weiher porque em Dezembro chegava o resto dos contratados pela Howaldtswerke.

Já havia uns 30 ou 40 portugueses em Hamburgo antes de nós, mas estes eram todos «turistas». Nos anos 60/61 já havia portugueses a trabalhar em Hamburgo, uns no estaleiro, outros noutras firmas e uns quantos à sorte. Nenhum deles tinha o passaporte de emigrante. Alguns que conheço: Manuel Coxo, Moca, Homero (a casa dele era o refúgio dos que andavam à balda), Dr Bacalhau, Espírito Santo, José Mendes, José Branco já falecido, Maridalho, o algarvio, o Campos que foi o primeiro presidente da Associação Portuguesa de Hamburgo.

O Campos fundou a APH com uns 12 a 14 colegas do estaleiro juntamente com colegas de outras firmas. Antes de começar a funcionar, ainda houve muitos problemas. O Dr. Herbert Minnemann também ajudou muito para pôr tudo em ordem. O Castro foi o primeiro a abrir um restaurante que se chamava «O Transmontano». Mas antes do restaurante, comprou a casa do Homero que era na Bibistr. 78, se não estou enganado. O Castro também continuou a ajudar os que andavam à balda.

Todos aqueles vindos antes de 1962 eram «turistas» porque não havia emigração oficial de Portugal para a Alemanha naquela altura. Os que conseguiram sair, tinham que ser comerciantes, empregados de comércio, estudantes etc. Era possível segundo requerimento feito ao governo civil com uma declaração que tinham meios financeiros para poderem passar férias no estrangeiro e com um depósito de 5.000$00 Esc. de caução. Só assim o governo civil passava o passaporte válido por 3 meses.

Quando nós chegámos como emigrantes e quando havia desacordos entre nós, o tema era sempre o mesmo: vocês emigrantes foram vendidos pela Junta Nacional de Emigração, nós turistas viemos passar férias. Mas depois, nas discussões, tudo acabava em bem. No jornal „Kultura“ que o amigo Luís Carvalho me mandou, li as entrevistas duns tantos portugueses que mais uma vez não falaram dos primeiros portugueses contratados pela Howaldtswerft AG. Lembram-se da Phoenix, da Beiersdorf, da Mercedes. Falta uma ainda: a da fábrica de chumbo!

Nós éramos todos pobres. Por isso saímos de Portugal em 23 de Agosto e em Dezembro de 1962 para virmos trabalhar em Hamburgo. Fomos de Lisboa, de Braga, de Guimarães e de Taipas. Os ordenados desse tempo eram miseráveis: em Lisboa, já eu ganhava na Companhia Nacional de Navegação, CCN, 76$00 Esc. por dia que só dava para comer. Em Braga, Guimarães e Taipas, onde os salários eram muito inferiores do que em Lisboa, onde é que nós tínhamos dinheiro para sairmos de Portugal como «turistas»?

Mas não foi só a pobreza que obrigou muitos portugueses tentarem sair da sua terra com ou sem autorização, mas também pela situação política dum Portugal fascista. Se alguém quiser escrever a história real da emigração portuguesa na Alemanha depois da última guerra, pode fazê-lo segundo os meus apuntamentos. Eu tomo toda a responsabilidade e sem medo de represálias porque o que escrevi faz parte da minha vida em Hamburgo.


* Josef Torres, Lissabonner mit deutscher Staatsangehörigkeit. PHG-Mitglied. Lebt seit dem 25. 8 .1962 in der Hansestadt. Siehe dazu unser Porträt.






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Portugal-Post Nr. 8 / 1999